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Baía Branca

Jan 15, 2024Jan 15, 2024

Em março de 2015, visitei uma amiga, a jornalista argentina Sandra Crucianelli, e seu marido, Gabriel, para jantar em Bahía Blanca, uma cidade costeira a cerca de 650 quilômetros ao sul de Buenos Aires. Eu tinha acabado de me mudar de Dubai para a Argentina, procurando fazer reportagens sobre questões ambientais. Bahía Blanca, conhecida como a “grande metrópole do sul”, é uma cidade portuária e principal porta de entrada para as regiões da Patagônia e dos Pampas. A caminho do jantar, passamos por fachadas Art Nouveau no centro da cidade, lotado de turistas bem vestidos e estudantes das universidades nacionais da cidade. Os moradores de Bahía Blanca desfrutavam de alta qualidade de vida, com acesso a grandes shopping centers, campos de golfe, uma sinfonia, uma ópera e um balé. A cidade também está estrategicamente localizada, adjacente à maior base naval da Argentina, Porto Belgrano, e a uma base da Força Aérea. No horizonte tracei as silhuetas das montanhas da Sierra de la Ventana, populares para caminhadas. Os políticos citaram a prosperidade de Bahía Blanca, produto das políticas industriais implementadas na década de 1980, como modelo para o desenvolvimento de cidades modestas na Argentina.

Em toda a América Latina, os governos estão a construir complexos industriais gigantes, refinarias de petróleo, minas de ouro e cobre e grandes corredores de transporte, prometendo desenvolvimento nacional e financiamento para políticas sociais. O fenómeno é conhecido como extractivismo redistributivo: as florestas são arrasadas, os aquíferos drenados e as montanhas minadas para financiar programas de bem-estar e de emprego destinados a reduzir a pobreza, mesmo quando a degradação ambiental a aumenta. A Venezuela, a Bolívia e o Equador, sob governos de esquerda, aumentaram a produção petrolífera e mineira.

Alguns “megaprojectos”, como a capital do Brasil, Brasília, construída de raiz nas terras altas que outrora albergaram comunidades indígenas, são símbolos do poder estatal. O atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, apesar de prometer proteger os direitos indígenas e o meio ambiente, está promovendo uma ferrovia através do território indígena Kayapó que desmataria vastas áreas da Amazônia. Ele também está promovendo uma rodovia que atravessa florestas tropicais intocadas e uma barragem gigante que dizimou ecossistemas fluviais. O autoproclamado governo de esquerda do México também aprovou, nos últimos quatro anos, uma dúzia de grandes projetos, incluindo uma enorme rede ferroviária no território tradicional maia, uma enorme refinaria de petróleo, uma grande central eléctrica a gás e um corredor industrial militarizado. ao longo de uma ferrovia de quatro vias que liga os oceanos Atlântico e Pacífico que, segundo Andrés Manuel López Obrador, o atual presidente do país, desenvolveria as regiões mais pobres do sul do México. Os projectos extractivos da Argentina cresceram na década de 2000, à medida que o país transformava a sua economia para se tornar um dos principais produtores de prata, cobre, ouro, lítio e petróleo da América Latina. Cerca de quarenta por cento da produção de petróleo da Argentina vem da Patagônia, a região ao sul de Bahía Blanca.

Sandra, Gabriel e eu jantamos no Gambrinus, um restaurante muito bem avaliado por seus pratos tradicionais ítalo-argentinos. Na altura, Sandra estava a investigar as políticas fiscais e as despesas públicas do governo para o La Nación, um diário nacional; nos anos seguintes, ela contribuiria com reportagens para os Panama Papers e Paradise Papers, que vazaram algumas das contas bancárias secretas e offshore da elite global. Gabriel relatou sobre os assuntos locais de Bahía Blanca para uma estação de rádio universitária, uma revista online hiperlocal que ele e Sandra co-fundaram chamada Solo Local, e Clarín, o maior conglomerado de mídia da Argentina. As filhas de Sandra estudaram em renomadas universidades de Bahía Blanca. Ela elogiou os museus e as lojas da cidade, mas me disse que a questão mais importante em Bahía Blanca – pouco divulgada nacional ou internacionalmente – era a poluição. “A cidade em que cresci está fortemente contaminada”, disse ela. Depois do jantar de peixe importado, eles insistiram em me levar para passear.

Passamos pelos estreitos vestiários de madeira na praia, principalmente para turistas argentinos, antes que a paisagem se abrisse para estradas largas, armazéns e estacionamentos industriais. Nos arredores da cidade, Sandra estacionou o carro ao lado de uma fábrica repleta de canos entrelaçados. As chamas giravam de forma audível, como um vento forte, no topo das chaminés. Lâmpadas halógenas laranja iluminavam a planta contra o céu. Sandra me contou que esta zona industrial, um município chamado Ingeniero White, abriga mais de uma dúzia de fábricas petroquímicas, de fertilizantes e de grãos, algumas delas as maiores do gênero no mundo. É, disse ela, um dos lugares mais poluídos da Argentina. Eu decidi me mudar.